terça-feira, 19 de maio de 2015

O viés de seleção




Retornando as postagens semanais do blog, depois de um hiato de um mês, daremos continuidade ao processo de solidificação de conhecimentos básicos da medicina baseada em evidências, dando seguimento a série sobre viéses. Assim, poderemos  desenvolver as ferramentas necessárias para analisarmos de maneira correta um artigo científico. 
Um artigo enviesado não passa pelo crivo da validade interna e a depender dos viéses  seus resultados não podem ser generalizados  - princípio da complacência. 
Esta postagem terá como abordagem o viés de seleção; relacionado ao modo como os participantes são selecionados para o estudo.  

Sabemos que os estudos observacionais possuem alto risco para ocorrência de viéses, devido a isso estão em patamar abaixo dos ensaios clínicos randomizados na pirâmide de evidências.
Digamos que um estudo observacional observou que os pacientes com hérnia inguinal que passam por um procedimento laparoscópico aparentemente sofrem menor dor pós-operatória e retornam mais rapidamente ao trabalho em comparação àqueles que são submetidos ao tratamento cirúrgico tradicional. Nesse caso, durante a análise do artigo , para identificação do viés de seleção deve-se fazer a seguinte pergunta. " Os resultados da cirurgia laparoscópica são realmente melhores ou eles podem parecer melhores como resultados de viéses na forma de como as informações foram coletadas?"

Após a pergunta é importante elencar algumas possibilidades. I) Talvez este tipo de procedimento seja oferecido aos pacientes que possuem melhor estado de saúde ou que aparentam ter melhor estado. II) Os pacientes submetidos a laparoscopia podem ser estimulados a voltar a atividade laboral mais rapidamente que os pacientes submetido a técnica tradicional. III) Talvez devido ao tamanho da cicatriz cirúrgica, os médicos podem questionar menos os pacientes do grupo laparoscopia enquanto à dor, porque podem estabelecer uma associação diretamente proporcional (maneira intuitiva) entre tamanho da cicatriz e dor. Se qualquer uma dessas afirmações forem verdadeiras, elas estarão relacionadas a diferenças de como os pacientes são selecionados para o procedimento, acarretando em viés de seleção.

Assim como,  no viés de confusão, anteriormente abordado, uma excelente forma de prevenir o viés de seleção é o processo de randomização-alocação aleatória, a "mágica da randomização" torna os grupos iguais, anulando o efeito de confusão.

Em relação ao estudo abordado acima, os estudos que evitaram o viés de seleção demonstraram que os pacientes submetidos ao procedimento laparoscópico sentem menos dor e voltam mais rápido ao trabalho.

O viés de seleção também é muito comum em pesquisas onde os participantes da amostra são estimulados a participar do estudo como voluntários ou  quando ela é feita por amostras definidas por conveniência (pesquisas eleitorais).

Vamos supor que um novo teste para o diagnóstico para o CA de mama foi inventado. Este teste é oferecido a uma determinada comunidade para uma avaliação piloto e sua efetividade foi comparada a de um teste padrão-ouro.  Após um tempo comparou-se a incidência da doença com a população geral e verificou-se que a incidência do CA de mama foi muito maior neste último grupo. O que pensar neste caso? Faremos para fixar novamente a seguinte pergunta. " Os resultados que demonstram  menor incidência de CA de mama na população estudada pelo novo teste são realmente verdadeiros ou eles podem parecer verdadeiros devido a viéses na forma de como os grupos  foram definidos?"

Elencando as possibilidades poderíamos responder a pergunta da seguinte forma: I) Geralmente os indivíduos que se voluntariam para pesquisas tem uma qualidade de vida maior e hábitos de vida melhores - aqueles que praticam exercícios físicos, por exemplo, tem na atividade física um fator de proteção para CA de mama. II)Muitos dos indivíduos que participaram do estudo podem ter uma história familiar positiva de CA, o que os motivou a participá-los, com objetivo de rastreio,  nesse caso, o estudo pode ser composto por pessoas de alto e baixo risco - como determinar qual grupo  interferiu nos resultados? Pode haver um equilíbrio, mas isto é difícil de quantificar. Devido a isto, neste estudo, ocorreu viés de seleção, fazendo com que a incidência de CA de mama fosse muito menor no grupo que fui submetido ao novo teste.

Para fixar: Sempre é importante lembrar que os indivíduos que se voluntariam a pesquisas geralmente tem um perfil de saúde melhor.
Nesse sentido, de maneira análoga podemos abordar o viés do trabalhador saudável, um subtipo de viés de seleção. 

Este subtipo de viés está relacionado ao fato de que ao realizarmos uma pesquisa - uma coorte ocupacional -  e compararmos à mortalidade de determinada doença com a população geral, ao verificarmos que a mortalidade foi superior na população geral, podemos evidenciar a possibilidade do viés de seleção na coorte ocupacional, e porquê? Por que geralmente os indivíduos que trabalham tem um melhor perfil de saúde devido a passarem por exames admissionais, isto nos leva a mais uma importante lição da postagem de hoje. - O viés de seleção gera tamanha distorção que faz com que os achados que levam a associação entre exposição e doença não se reproduzam na população geral.

Deixo aqui a seguinte pergunta. Tenho o objetivo de avaliar a prevalência de diabetes em uma determinada população, para evitar viés de seleção, devo considerar uma amostra representativa da população feita de maneira probabilística ou considerar voluntários a participar da pesquisa?




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