sábado, 17 de fevereiro de 2018

A força de associação as medidas de efeito e a decisão clínica



As abordagens anteriores foram importantes para definirmos o significado do valor P e do Intervalo de Confiança (IC) , durante essa abordagem foram mencionados termos importantes, tais como, associação  e força da associação.
A força de associação é um importante critério de causalidade de Hill e basicamente quanto mais forte é essa associação, maior a probabilidade de ela ser causal.
Uma associação fraca geralmente tem maior probabilidade de ser mediada por fatores de confusão.

A força da associação pode ser "mensurada" através das medidas de efeito, que utilizam conceitos de riscos diversos e podem ser determinadas por diferentes proporções para propostas diferentes.

Aqui abordaremos as seguintes medidas de efeito:  o risco absoluto, risco relativo, a redução absoluta do risco , redução do risco relativo.

Conceito prático e definição.

Em 1999, foi publicado na revista Lancet o clássico ensaio clínico  CIBIS II , este estudo avaliou eficácia do uso de Bisoprolol na redução de mortalidade em paciente portadores de Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC).
Neste estudo, foram alocados aleatoriamente 2647 pacientes portadores de ICC classe III e IV sintomáticos com fração de ejeção igual ou inferior a 35%  que recebiam terapia padrão com diuréticos e ieca para receber bisoprolol versus placebo.
A dose de bisoprolol variou de 1.25 mg até o máximo de 10 mg e ao final de um seguimento médio de 1,3 anos observou-se redução de mortalidade por todas as causas no grupo bisoprolol - (156 [11,8%] vs 228 [17,3%] com um hazart ratio de 0,66 % (IC 95 % 0,54 -0,61, p < 0,0001).

Analisando este estudo , o que seria o  risco absoluto e qual o risco absoluto de morte nos grupos?

O risco absoluto é a probabilidade de um evento acontecer em uma determinada população.
Tem o mesmo valor que a medida de incidência e frequentemente esses termos são intercabíveis. Este risco pode ser traduzido como risco basal de um indivíduo e é a melhor forma de compreender fatores de risco e como esses fatores podem afetar a condição clínica de um paciente.
Ao nos questionarmos;  qual a incidência de uma determinada doença em grupo inicialmente livre dela, teríamos a expressão para o cálculo do risco absoluto, traduzido através da seguinte fórmula: I* = n ⁰ de casos novos durante um intervalo de tempo /  n ⁰ de pessoas no grupo.

respondendo a segunda pergunta,  teríamos que fazer o cálculo abaixo, realizado através de dados extraídos da seguinte tabela que relaciona expostos e não expostos e a ocorrência dos desfechos nos grupos.



Ra  no grupo bisoprolol = a/ a + b = 156/981 = 0,159 = 16%

Ra  no grupo placebo   = c/ c + d  = 228/920 = 0,247 = 25 %

Assim, o risco absoluto no grupo placebo era de 25 % durante todo o seguimento, enquanto que após o tratamento com bisoprolol o risco de morte passou a ser de 19 %.



Quanto ao risco relativo, o que seria? qual a forma de calculá-lo?


O risco relativo é uma medida de efeito utilizada para medir a probabilidade dos indivíduos expostos de desenvolverem a doença em relação aos não expostos. Quantas vezes é mais provável para que as pessoas expostas se tornem doentes em relação às não expostas?



Para calcularmos o risco relativo devemos utilizar a seguinte fórmula: RR = I expostos / I não expostos.

Neste caso, poderíamos obter o risco relativo a partir da relação entre as incidências de eventos nos grupos.

Retirando  dados da mesma tabela chegaríamos a um valor muito próximo do hazart ratio mencionado.
Isso quer dizer que o risco de mortalidade de um indivíduo com ICC classe III ou IV em uso de bisoprolol foi 66 % menor do que aqueles que não utilizaram à droga.

Um estudo publicado no jornal americano de medicina (JAMA) analisou os efeitos da  duração da amamentação na incidência de diabetes nas mulheres que amamentaram comparativamente às mulheres que não amamentaram.
Os pesquisadores analisaram dados do Estudo (CARDIA) num follow-up de 30 anos. O estudo foi feito com 1235 mulheres negras e brancas sem diabetes antes da gestação e que tiveram pelo menos um filho nascido vivo depois do início do estudo.
Após um acompanhamento médio de cerca de 24 anos , verificou-se que o risco relativo de incidência de diabetes foi de 0,75 ( IC 95% de 0,51 - 1.09 ) para as mulheres que amamentaram de zero a seis meses; 0,52 ( IC 95 % de  0, 31 a 0, 87) para as mulheres que amamentaram por mais de seis e menos de um ano; e 0,53 ( IC 95% de 0,29 a 0,98) para as mulheres que amamentaram por mais de 12 meses com um valor P = 0,01 em comparação as mulheres que não amamentaram.


Interpretando os resultado do estudo acima, o risco relativo para os indivíduos que amamentaram mais de 6 meses foi sempre < 1 , o que indica que a amamentação dentro deste período esteve associada como um fator de proteção para ocorrência de diabetes, ou seja, o grupo que amamentou apresentou um risco relativo 50 %  menor de desenvolver diabetes do que aquelas que não amamentaram.

O risco relativo é o resultado mais comum relatado em estudos sobre riscos, indicando a força de associação entre a exposição e a doença.

Prosseguindo na análise, poderia me perguntar qual a redução absoluto de riscos e a redução relativa dos riscos?

Tomando o estudo CIBIS II novamente como exemplo, a RAR seria basicamente calculado pela subtração dos riscos entre controle  e grupo droga.
Logo, RAR  (RAR =  Ra c - Ra t =   26 - 19 % = 9%. Ou seja, a droga ( bisoprolol) reduziu em 9% o risco de mortalidade na ICC classe III e IV, indicando a verdadeira magnitude do benefício dessa droga na terapia.

A partir do próprio risco relativo poderíamos calcular a redução do risco relativo pela seguinte expressão 1 - RR = 1 - 0,64 = 0,36 ou 36 %.

Redução absoluta do risco e o risco relativo - 

Este estudo  comparou o efeito da idade e densidade mineral óssea nos riscos relativos e absolutos de mulheres com idade de 50 a 99 anos pós - menopausa. O mesmo demonstrou claramente que o risco  relativo permaneceu constante, enquanto o risco atribuível mudou conforme o risco basal. Os resultados verificaram que  risco relativo da DMO permaneceu estável conforme o passar da idade , enquanto a redução absoluta do risco (risco atribuível) quase dobrou conforme o passar das décadas, independente da DMO.
Interpretando estes resultados para a realidade dos ensaios clínicos e para prática clínica, o fato é que a redução absoluta do risco não depende apenas do efeito intrínseco do tratamento, mas também do risco basal, já o risco relativo depende do efeito intrínseco do tratamento , sendo constante.

Aplicando o risco relativo ao risco absoluto de um paciente, poderemos saber a exata redução absoluta de risco com uma determinada terapia naquele indivíduo.
Suponhamos que as estatinas promovem uma redução relativa de risco de 31% e ao realizar o cálculo do risco de eventos cardiovasculares em 10 anos com score ASCVD da AHA meu paciente apresentou um risco basal de 30%.  31 %  x 30 % = 0,093 = uma redução absoluta do risco de 9%, por outro lado,  se o risco basal dele fosse menor essa redução absoluta também seria menor.

Ao compararmos as reduções absolutas e as reduções relativas , observamos que os números decorrentes do riscos relativos são muito mais "atraentes" , dando a falsa impressão de que para aplicar uma terapia em uma situação clínica seria melhor concentrar-se nos riscos relativos.
De fato, clínicos podem interpretar que um tratamento é muito mais eficaz concentrando-se apenas na redução do risco relativo pelo seu valor geralmente maior que a redução absoluta do risco, dando a falsa impressão de que o tratamento é muito mais benéfico do que o real.
Contraditoriamente ,  um estudo publicado no British Medical Journal  ao analisar as medidas de efeito mais utilizadas nas revistas de grande impacto, demonstrou uma maior frequência de uso das medidas relativas em relação às medidas absolutas, as medidas absolutas foram relatadas apenas em 18 % dos artigos.

Contudo, para a tomada de decisão clínica  ou para verificar a magnitude do dano de um fator de risco é melhor concentra-se na redução absoluta do risco ou para estudos epidemiológicos sobre fatores de risco ( no risco atribuível à exposição ) do que nos riscos relativos.



















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