A medicina baseada em evidências é conhecida por
requerer do uso de uma análise crítica bastante rígida e cuidadosa enquanto a
qualidade metodológica dos trabalhos que são publicados diariamente e que podem
orientar condutas ou não. Isto ocorre porque os riscos de erros sistemáticos e aleatórios
(acaso) são enormes - a despeito de um trabalho com qualidade metodológica
pouco confiável. Nesse sentido é
fundamental perceber que uma análise crítica errônea, no que se refere à
veracidade de um estudo pode determinar o surgimento de condutas prejudiciais
ao paciente. Devido a isto, é importante mencionar que fazer Medicina Baseada
em Evidências é fazer Medicina Baseada em Evidências de Qualidade.
Garantida a veracidade adequada do estudo, chegamos
a um ponto em que necessitamos ser mais complacentes e menos rígidos, pois este
é o momento em que vamos aplicar o resultado
de um ensaio clínico feito com um
número ( n) de pacientes a um paciente
individual. Ser complacente significa ser mais flexível e este princípio orienta
a grande maioria das condutas médicas, porque grande parte das nossas
evidências são evidências indiretas. Da
mesma maneira que temos, nesse ponto da análise(aplicabilidade) autorização para sermos mais flexíveis, somos postos
diante de alguns obstáculos que se apresentam
na arte da extrapolação.
.
Os ECRS e metanálises consistem nos modelos
de pesquisa com maior grau de evidência para orientar condutas terapêuticas, o
benefício apresentado por estes modelos de pesquisa estão relacionados a uma
estimativa estatística baseada no desfecho médio da totalidade dos pacientes.
Porém, não temos nenhuma garantia por se tratar de estimativa (probabilidade é
pautada em incerteza) de que nosso paciente se comportará da mesma forma que o
paciente médio do ECR. Isto levou Mant a
mencionar em uma de suas publicações, no Lancet em 1999, a seguinte frase: “O
ensaio clínico randomizado é a melhor forma de avaliar se uma intervenção funciona,
e talvez a pior maneira de avaliar quem se beneficiará dela.”
Neste aspecto temos que ponderar alguns equívocos: O
de que não podemos aplicar terapias propostas por ensaios que foram realizados em pacientes de
nacionalidades diferentes ou etnias diferentes.
Apenas em casos de exceção, um tratamento proposto num determinado tipo
de paciente deixará de funcionar em outro, isto porque temos mais semelhanças
que diferenças e interação é um fenômeno raro. Se assim fosse, não faríamos mais nada, nossas diretrizes são pautadas por grandes estudos realizados fora do país. Já pensaram nisso? Ademais, temos que saber ponderar o limite tênue entre os resultados apresentados pelo estudo e o quão indireta vai ficando nossa aplicabilidade da evidência, quanto mais indireta do nosso paciente maior o risco de não haver benefício. Se a média de idade dos pacientes para um determinado tratamento de IAM é de 65 anos, a partir do momento em que a idade do meu paciente vai se afastando disso, os benefícios vão ficando cada vez menos claros e evidentes.
Durante a aplicabilidade temos que fazer a seguinte
pergunta: “Os indivíduos do ECR
são tão diferentes do meu paciente a ponto de ele não se beneficiar da terapia testada?”
A partir daí devemos observar as
características individuais dos pacientes presentes na primeira tabela do
ensaio para relacionar com o meu paciente. Idade, Sexo, comorbidades e intervenções geralmente são utilizadas para delimitar a generalização.
Em caso de ensaios
clínicos mais modernos em que os critérios de inclusão e exclusão não são tão
restritivos, a probabilidade de benefício aumenta significativamente. No caso de trabalhos realizados com condições
de alta mortalidade podemos ser muito mais liberais, toleramos mais diferenças
entre os indivíduos do ECR e meu paciente, porque assim conseguimos objetivar a máxima
redução de risco de eventos no grupo que mais se beneficia – Os pacientes de alto risco.
Por fim, devemos
lembrar que a aplicabilidade está basicamente relacionada aos critérios de exclusão
e inclusão de um ECR de boa qualidade com bom follow-up e poder estatístico e que o ambiente, a questão social e econômica, a efetividade
e eficácia e o impacto da intervenção (NNT) sempre devem ser relevados junto
ao julgamento clínico, quando chegaremos ao elo entre a boa ciência e a boa
prática médica, no princípio da complementaridade. Neste aspecto, a medicina chega a seu propósito básico, o de beneficiar o indivíduo.
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