sábado, 13 de janeiro de 2018

Estudo FOURIER e evolocumabe uma revolução ainda distante da prática clínica.




Já havia estudo prévio demonstrando reduções significativas nas taxas de LDL através do uso do anticorpo monoclonal evolocumabe - os resultados demonstraram uma redução significante de 60%. Restava então saber, se essa redução do desfecho substituto (LDL) seria acompanhada da redução de desfechos clínicos, evitando eventos cardiovasculares maiores.

No ano de 2017,  então,  fomos brindados com os resultados do aguardado estudo FOURIER.

O estudo em questão foi conduzido por cerca de 48 semanas e randomizou de forma  duplo-cega e controlada por placebo 27.564  indivíduos com idade entre 40 e 85 anos portadores de doença aterosclerótica com LDL maior ou igual 70 ou HDL maior ou igual a 100  para uso de evolocumabe (140 mg por 2 semanas ou 420 mg por mês ) associado ao uso de estatinas de alta intensidade ou moderada intensidade
O estudo foi desenvolvimento justamente com objetivo de testar o benefício do uso do anticorpo monoclonal associado a uso de estatinas na redução de eventos cardiovasculares.

Vamos então a análise crítica.

De maneira até bastante insistente , sempre enunciamos aqui nesse espaço que uma evidência deve ser avaliada em três etapas. Inicialmente devemos verificar se possui validade interna, ou seja, garantir que os resultados não foram decorrentes de erros aleatórios e sistemáticos. Passada esta estapa, por último, devemos analisar a relevância dos resultados e sua aplicabilidade.

Metodologicamente o estudo criticado nessa postagem foi impecável.


Randomizado ( evitando viéses de confusão), duplo-cego ( evitando viéses de mensuração do desfecho) , controlado por placebo - com desfechos duros e feito com a intenção de tratar ( evitando viéses de tratamento).

Outro dado importante é que o estudo não foi truncado. Sabe-se que o trucamento ( interrupção precoce) tende a superestimar a magnitude do benefício alcançado com a intervenção. 

Para finalizar , quando nos atentamos a significância estatística, observamos que este estudo foi positivo, com valor de P menor que 5 % para o desfecho primário em questão, afastando a possibilidade de erro do tipo I.


Concluímos então que o estudo  FOURIER, possuí baixo risco de viéses e erro aleatório.

Garantida a validade interna , vamos então a análise da relevância e aplicabilidade.  Julgo esta a parte mais interessante da análise, pois o estudo em questão foi muito divulgado e festejado pelos pesquisadores e por membros da comunidade cardiológica.

O principal desfecho englobou um combinado de morte por doença cardiovascular, iam, avc não hemorrágico, hospitalização por angina instável e revascularização miocárdica.

Há uma forte menção no estudo , embora a conclusão, tenha sido tomada com base em desfecho primário, para os desfechos secundários, no caso do estudo citado - estranhamente os desfechos secundários foram um combinado de morte cardiovascular, iam ou avc , portanto, desfechos mais "hards" que os primários , logo mais interessantes para a prática clínica. 

Definido o desfecho, passamos a análise dos resultados.

Quando presta-se atenção na redução dos níveis de LDL, observa-se claramente um redução intensa -a média de LDL no inicio do estudo era de 92. Após cerca de 2 anos o LDL médio foi de 30. Uma redução média absoluta de 56 mg/dl ou 59%.
87% dos pacientes experimentaram uma redução para 70 mg ou mais e 67 % para  40 mg ou mais. De maneira bastante interessante 42 % experimentaram reduções inferior a 25 mg ou menos.



Essa redução intensa na taxa de LDL foi acompanhada de uma redução de risco relativo de 15% para o desfecho primário, às custas basicamente na redução nas taxas de IAM, mas isoladamente sem redução da mortalidade cardiovascular ou por todas as causas.

Quando falamos sobre o desfecho secundário, verificamos uma redução de cerca de 20 % no risco relativo.



Quando avaliamos a relevância de um estudo  devemos prestar atenção no tipo de desfecho e na redução absoluta do risco com seu respectivo NNT, reduções relativas são intrínsecas ao tratamento - reduções absolutas variam conforme o risco basal do paciente, portanto, mais interessante para a prática clínica. Além disso, o NNT , dependente da RAR, tem uma importante significância clínica.

Alguns ensaios clínicos , nos obrigam a calcular o NNT, entretanto na discussão do estudo, os autores mencionaram que 74 pacientes necessitariam ser tratados em 2 anos para prevenir morte cardiovascular, avc ou iam.



Vamos a aplicabilidade...

Primeiro, devemos ter em mente que este é um estudo de prevenção secundária, portanto, esperaria um impacto maior do tratamento.
Um NNT de 74 é considerado de baixa magnitude para eventos não fatais ( levando em conta que não houve redução de mortalidade).
De maneira paradoxal, alguns estudos de prevenção primária com desfechos compostos como, por exemplo, o clássico WOSCOPS, demonstraram NNT menores, apenas com o uso de estatinas.
Talvez, o tempo de follow- up do estudo FOURIER tenha sido muito pequeno, isto deve ser observado porque o efeito mais pronunciado da redução de eventos cardiovasculares apenas com o uso de estatinas ocorre mais a longo prazo, no próprio estudo é possível verificar que o benefício aumentou com o passar do tempo.
Um estudo com follow - up maior , poderia elucidar esta questão.

Quando analisamos aplicabilidade devemos levar em conta o custo-efetividade.
Julgo que o alto NNT apresentado ao custo elevado da medicação - cerca de 1200 dólares por mês cria um problema para o uso da medicação.
Um exercício mental é extrapolar isto para a nossa realidade no SUS, onde já temos uma grande dificuldade de implementar o uso de estatinas de alta intensidade devido ao custo para alguns pacientes.

A grande novidade do estudo foi demonstrar a existência de outras alternativas ao uso da estatina para paciente intolerantes ou que não conseguem reduções maiores com o uso da mesma em altas doses, portanto, nesse caso, o estudo funcionaria como uma evidência direta para aquele paciente com condições de arcar com os custos do tratamento, contudo esse mesmo custo cria um distanciamento do seu uso para a grande maioria das pessoas.

Outro ponto interessante é que o estudo reforça a tese do "more is more" - contudo ainda ficam os questionamentos sobre a existência de um ponto de inflexão ou uma curva em J.
Finalizando, fica outro ponto a considerar -  os valores absolutos são mais importante que as reduções percentuais - existindo então a necessidade de metas terapêutícas?












Nenhum comentário:

Postar um comentário