A segunda parte da análise crítica de um artigo deve focar na relevância ou no impacto da terapia que foi testada. Devemos avaliar o tipo de desfecho e a magnitude daquela terapia. A magnitude ( análise quantitativa) pode variar de um pequeno efeito a um grande efeito. Essa etapa da avaliação é muito importante, pois sem ela não é possível ponderar adequadamente o efeito quantitativo daquela intervenção que na análise de veracidade foi comprovada benéfica.
Devemos dividir a avaliação desta etapa em duas:
- O impacto quanto ao tipo de desfecho.
- O impacto quanto ao NNT ( número necessário a tratar)
Nessa postagem falaremos sobre a análise do desfecho.
Os desfechos (end points) são medidas quantitativas que estão implícitas quando ocorre a enunciação dos objetivos da pesquisa. Por exemplo, se num hipotético trabalho o desfecho principal é aferir a mortalidade por IAM, determinando o impacto clínico de um novo anticoagulante, o desfecho medido será a mortalidade - Para isso, será realizado a contabilidade do número de mortes por IAM no grupo intervenção( que recebeu o anticoagulante) vs o número de mortes no grupo placebo. Nesse caso, o desfecho mortalidade é um desfecho duro (hard endpoint) , facilmente mensurado e objetivo, o que evita o viés de aferição. Os desfechos mais frouxos ( soft endpoints) como a angina de peito estão mais susceptíveis a tendenciosidade do observador. Os desfechos frouxos ou moles, são mais susceptíveis a erros de aferição - um indivíduo pode declarar que o desfecho foi alcançado, ao passo que o outro observador não. Definir claramente quais serão os desfechos e como serão aferidos é algo que diferencia os ensaios clínicos de outros delineamentos de estudo, a solidez da validade interna e relevância depende de como estes desfechos serão aferidos.
- O viés de aferição do desfecho pode estar presente quando o investigador conhece a intervenção designada pelo paciente, o paciente conhece os efeitos da intervenção a que está sendo submetido (não houve cegamento) e o desfecho é definido de forma pouca objetiva.
Ainda nesse aspecto, enuncia-se que os desfechos podem ser divididos em desfechos clínicos e desfechos substitutos.
- DESFECHOS CLÍNICOS - NORTEARÃO CONDUTAS.
Os desfechos clínicos representam aqueles que realmente tem impacto na vida do paciente. Mortalidade por todas as causas é o desfecho clinico mais importante e seguindo esta ordem temos: AVC e IAM . Existem outros desfechos clínicos que também são bastante significativos, tais como, qualidade de vida na asma, ou taxas de reinternação na ICC crônica devido a descompensação.
A implementação de Ensaios Clínicos com o uso de desfechos duros exige do trabalho um grande tamanho amostral, além de um grande custo, assim pesquisadores e a indústria buscam alternativas, e assim, destaca-se o uso de desfechos substitutos.
Os desfechos substitutos ou em inglês surrogate endpoints constituem-se de variáveis fisiológicas ou laboratoriais que tentam predizer os efeitos clínicos da terapia.
O uso de níveis tensionais de pressão arterial = Predizer AVC
Graus de estenose coronariana = mortalidade por DAC
Variações da glicemia = Complicações do DM
Disfunção ventricular de acordo com FE = Morte na ICC
Contagem de células CD4+ = Infecção pelo HIV
Osteoporose = Doenças Ósseas
O uso desfechos substitutos permite que o trabalho tenha um seguimento mais curto, tamanho amostral menor e redução de custos. Ele é ideal para os ECR de fase I e fase II quando visa-se a segurança de uma intervenção, mas é inadequado quando trata-se da tomada de conduta que influenciará na vida de muitos pacientes. Isso porque aquelas variavéis fisiológicas não garantem redução de desfechos duros.
A título de exemplo:
O estudo ALLHAT foi desenhado para comparar quatro anti-hipertensivos ( lisinopril, clortalidona, anlodipino e doxasozina) quanto aos efeitos sobre um desfecho combinado de iam fatal e não-fatal. Foram randomizados 42 mil pacientes com HAS de alto risco num follow-up de 4 anos. Durante o seguimento, observou-se no grupo que estava fazendo uso de alfa-adrenérgico, um aumento da incidência de AVC e eventos cardiovasculares combinados em relação ao grupo clortalidona. Ademais, houve aumento da incidência de ICC. Esse resultados fizeram com que o braço doxasozina fosse interrompido. Nota-se nesse estudo, que as médias das PAS e PAD no grupo doxasina foram basicamente as mesmas do grupo clortalidona ao final do seguimento. Ou seja, ambos os fármacos foram capazes de controlar a PA - um desfecho substituto, contudo, em um dos dos fármacos (doxasozina) houve aumento de eventos adversos clínicamente importantes. Já imaginou basear nossa conduta num estudo com desfecho substituto? É como se fosse um tiro no escuro...
2 - O uso de flacanimida , morizina ou placebo no pós- infarto. Estes antiarrítmicos no pós-infarto estiveram associados ao aumento de mortalidade. Após um ano de seguimento no estudo CAST I e CAST II, verificou-se que 95% dos pacientes do grupo placebo estavam vivos comparados a 90% do grupo antiarrítmico. Estes estudos chamaram atenção para o efeito arrítmico dessas medicações da classe I de Vaughan Williams, confirmaram a máxima da medicina baseada em evidência de que Plausibilidade Biológica não garante eficácia e efetividade terapêutica, além de demostrarem claramente que o controle das ESV( desfecho substituto) no pós-infarto não reduz mortalidade, pelo contrário aumenta.
Agora, tomado posse desses conhecimentos partindo para análise do WOSCOPS. O que evidenciamos? É simples...
O desfecho primário foi um composto por Infarto não-fatal e morte por DAC, ou seja, um desfecho duro. Além disso não há evidência que o desfecho tenha sido definido de maneira incorreta, o que consta no tópico "Identification and Classification of Endpoints". Há de se tomar cuidado com a definição de IAM que alguns momentos toma a forma de um desfecho substituto, quando apenas a elevação dos biomarcadores de necrose miocárdica são levadas em conta. Isto não ocorreu no estudo supracitado. Ao final do seguimento observou-se uma redução de 248 eventos coronarianos no grupo placebo vs 174 no grupo que usou pravastatina com redução de risco relativo de 31% a um IC de 95%, 17 vs 43%, p<0,001.
Referências: Major cardiovascular events in hypertensive patients randomized to doxasozine and chlortalidone: the antihypertensive and lipid-lowering treatment to prevent heart attack trial (ALLHAT). ALLHAT Colaborative research group. JAMA 2000, 2083: 1967 - 75.
Cardiac Arrhytmia Supression Trial. Preliminary report: efect of ecainide and flecainide on mortality in a randomized trial of arrhytmia supression after myocardial infarctation. N Engl J Med 1989, 321: 406-12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário