sábado, 8 de agosto de 2015

A Veracidade. Parte II

Retomando a série enquanto a análise crítica de evidências, daremos prosseguimento com a análise da veracidade. Lembremos que o grande objetivo da ciência é diferenciar causa de acaso, portanto, inicialmente devemos ficar atento para ocorrência de erros sistemáticos e aleatórios que podem invalidar os resultados de um estudo.

A análise de um artigo inicia pela validade interna, pois como mencionado previamente, não há sentido em adotar uma conduta que pode ser falsa.

"Método é tudo" - (Erros sistemáticos e Erros aleatórios)


A primeira pergunta que deve ser feita é: Existe efeito de confusão influenciando nos resultados do estudo?

O delineamento adotado pelo estudo é muito importante para responder essa questão, portanto, é imprescindível que se faça a diferenciação entre um Ensaio Clinico Randomizado e um Estudo Observacional. Estudos observacionais são concebidos através de amostras de grupos pré-definidos e devido a este aspecto estão susceptíveis a um alto risco de erros sistemáticos, entre eles, o viés de confusão. Ademais, demonstram apenas associações e não causalidade. O que torna um Ensaio Clínico a ferramenta mais poderosa e ideal para o desenvolvimento de condutas terapêuticas e  sua capacidade de alocar de maneira aleatória os grupos testados - A randomização(sorteio) faz com que os grupos testados fiquem  homogêneos, minimizando o efeito de confusão nas relação de causa-efeito.
No que se refere ao estudo WOSCOPS retirando este fragmento de texto em Métodos  "randomly assigned in a double-blind fashion", pode-se perceber que como esperado, trata-se um de ensaio clínico randomizado, o que garante o controle do viés de confusão e seleção.

Veja parte da Tabela 1. Características gerais da amostra. Grupos são homogêneos


A segunda pergunta é: Foi demonstrada significância estatística? 

É muito importante saber que a significância estatística é diferente de significância clínica (NNT), contudo, a significância estatística torna-se importante para demonstrar a influência do acaso (azar) sobre os resultados apresentados por um determinado estudo. Todo e qualquer estudo deve ser realizado através de uma amostragem - a amostra representa nada mais que um grupo de pacientes(pessoas) que possuem características semelhantes a população-alvo da pesquisa. Se vamos avaliar a eficácia de um anti-hipertensivo para o tratamento de Hipertensão não iremos testá-lo em todos os pacientes com hipertensão do mundo( isso é impossível), mas sim em uma pequena parte desses pacientes. Quando trabalhamos com amostras devemos estar atentos enquanto ao papel do acaso. É devido a isto que os estatísticos desenvolveram o valor de P. O valor de P de maneira mais simplista estima a probabilidade daquele resultado ter sido decorrente do acaso. Não podemos eliminar totalmente a influência do acaso, apenas minimizá-la, por isso toleramos um valor de P de no máximo 5%. Vejamos o seguinte exemplo: Se hipoteticamente for verificado que a intervenção através da droga X no tratamento de Câncer de Pulmão aumenta a sobrevida em 30% x Placebo 15%, posso sugerir que a droga aumenta sobrevida. Entretanto, se não for apresentado significância estatística este resultado pode ter sido "falsamente positivo". A exigência de significância estatística evita o erro do tipo I -  rejeitando a hipótese nula quando ela é verdadeira.

Em relação ao WOSCOPS - pontuamos a intervenção ------- desfecho.
Verificamos que a pravastatina 40 mg foi eficaz em reduzir um combinado de Iam não-fatal e morte por DAC, demonstrando uma redução de risco relativo de 31% a um Intervalos de Confiança de 95% para um valor de P < 0,001 - Influência mínima do acaso. Contudo, isso ainda não é suficiente para garantir a validade destes achados - Esbarraremos ou não no problema das comparações múltiplas?

Terceira pergunta. A conclusão foi feita com base em desfechos primários ou secundários?
Quando analisamos um artigo devemos observar nos métodos quais os desfechos analisados - Os desfechos podem ser pontuados em desfechos primários ou secundários. A conclusão de um artigo para este ser considerado válido tem que ser baseado no desfecho primário para qual seu desenho foi concebido, isto porque geralmente os desfechos secundários são muitos, fazendo com que o problema das comparações múltiplas façam com que algum daqueles resultados possa ser proveniente do acaso.
Assim, resumidamente temos que:
Desfechos Primários quando desfechos Clínicos (hard endpoints) - são norteadores de conduta.
Desfechos Secundários -  são apenas geradores de hipóteses - devem ser testados por estudos posteriores.

"Briefly, the primary end point of the study was the occurrence of nonfatal myocardial infarction or death from coronary heart disease as a first event; these two categories were combined". - No presente estudo analisado verifica-se que o desfecho primário foi um combinado de Iam não-fatal mais morte por DAC, e que a conclusão desse artigo de acordo com nota tomada em postagem prévia foi totalmente baseada nesse aspecto validando ainda mais suas informações para norteamento de conduta, pois afastamos definitivamente a probabilidade da ocorrência do acaso.

A quarta pergunta é: Há viés de aferição?
Agora, devemos voltar a nos preocupar com a ocorrência de outros tipos de viéses, dentre eles, o viés de aferição. O viés de aferição é decorrente da mensuração inadequada das variáveis em estudo. Pode ser muito comum estudos observacionais que envolvem variáveis dicotômicas de exposição e doença em que os critérios para definir o que é ou não a exposição/doença podem não estar bem definidos, acarretando em erros de mensuração.  
Nos Ensaios Clínicos devemos nos preocupar com algumas coisas: O cegamento duplo de pesquisador e paciente, a mensuração de desfechos duros - mais objetivos - e que não são susceptíveis a tendenciosidade do observador no momento de mensuração e o controle por placebo. O placebo tem uma importante função de cegar o médico no momento de interpretar os desfechos.
Nesta postagem realizamos uma abordagem completa mais detalhada em relação ao viés de aferição.
Em relação, ao nosso estudo em análise , este foi um estudo duplo-cego baseado em desfechos duros e controlado por placebo que evita viés de aferição e desempenho.

A próxima pergunta seria: O estudo foi conduzido com a intenção de tratar?
O objetivo de um Ensaio Clínico Randomizado que testa uma determinada terapia é simular a prática médica real. Quando alocamos pacientes em estudo randomizado , temos o grupo intervenção e temos o grupo controle. Acontece que nem todos os pacientes que foram alocados para o grupo intervenção completarão o tratamento e muitos do grupo controle poderão tomar a droga. Isso cham-se cross-over e em todo ensaio clínico randomizado, toleramos um certo nível de cross-over(30%). Isso é tolerado porque a prática médica real acontece assim. Muitos dos pacientes com Hipertensão por exemplo, não são aderentes à droga, nem se quer tomam as medicações. Muitos dos pacientes que tomam antibióticos nem se quer completam o tratamento de acordo com o tempo que é prescrito. A intenção de tratar é baseada na premissa de simular o ato da prescrição médica e nesse aspecto a eficácia de uma determinada medicação é baseada na aceitação  do paciente ao medicamento. Isto não pode ser excluído do estudo. A análise primária com a intenção de tratar deve garantir que o paciente que foi alocado para o grupo droga será sempre droga independente de tê-la usado ou não e o placebo será sempre placebo.

WOSCOPS  foi conduzido com a intenção de tratar o que anula a possibilidade deste viés.

Última pergunta - Houve truncamento?
WOSCOPS não foi um estudo truncado o que confere uma alta validade para seus resultados. O truncamento se refere ao ato de truncar - cortar - interromper precocemente um estudo quando seus resultados são considerados de grande magnitude. Na verdade, sabemos que o truncamento superestima os resultados de um estudo, tornando sua veracidade questionável. Não há motivos para truncar uma pesquisa, a menos que o tratamento esteja fazendo mal ao paciente. 

Em conclusão, sabemos que o WOSCOPS é um estudo com baixo risco de viéses e verdadeiro. Foi um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, com intenção de tratar, sem truncamento e com poder estatístico adequado superior a 80% para demonstrar a diferença esperada na incidência dos desfechos entre os grupos.

Resumindo - 
Randomização -  Evita efeito de confusão
Duplo-Cego controlado por placebo - Evita viés de aferição e desempenho
Intenção de tratar -  Evita viés de tratamento
Não truncado - Não superestima os resultados.
A conclusão com base em desfechos primários duros com significância estatística minimiza o acaso, evitando erro do tipo I, além de nortear conduta.
O poder estatístico de mais de 80%  - Evita erro do tipo II.











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