domingo, 19 de julho de 2015

Check-list para análise crítica de EC em terapia

Sabemos que os ECS representam o modelo de estudo padrão-ouro para avaliar o benefício de condutas terapêuticas, entretanto, qualquer evidência que ateste o benefício ou não de uma conduta terapêutica deve passar pelo crivo da validade interna, relevância e aplicabilidade(validade externa).
Para realizar análise crítica de evidências científicas não é necessário um expertise em epidemiologia clínica ou medicina baseada em evidências, mas deter de alguns conhecimentos básicos e seguir o seguinte check-list que varia de acordo com o delineamento do estudo.


Validade Interna ou Veracidade:
1 - Há efeito de confusão influenciando nos resultados?
2 - O tratamento foi corretamente realizado no grupo intervenção?
3 - O grupo controle recebeu tratamento adequado que possa atenuar o contraste com o grupo intervenção?
4 - O estudo demonstrou significância estatística? P< 0,05
5 - A conclusão do estudo foi realizada de acordo com desfechos primários ou secundários?
Atentar para conclusões baseadas em análises de subgrupos com estudos com resultados negativos.
5 - Há viés de aferição - desempenho?
6 - O estudo foi cross-over ou realizado com intenção de tratar - Viés de tratamento?
7 - O estudo foi truncado? Interrompido precocemente.

Relevância
Quanto aos desfechos:
1 - O desfechos primários foram desfechos clínicos ou substitutos?
2 - Se foram desfechos clínicos eram desfechos duros ou softs?
3 -  Se o desfecho foi combinado, o resultado decorreu de componentes mais importantes ou menos importantes do desfecho?
4 -  Atentar para o valor do Risco Relativo - Ele representa o efeito intrínseco do tratamento.
5 - Preferir as reduções absolutas de Risco (  R(c) - R(t) ) x 100 - O risco absoluto varia de acordo com o risco basal do paciente e representa a verdadeira magnitude do tratamento.
6 - Calcular o NNT = 100/RAR - NNT menor que 50  tem um bom impacto.

Aplicabilidade
1 - Em quem será aplicado o estudo? Verificar critérios de exclusão do estudo e características da amostra - Tabela 1.
2 - Como será aplicada a terapia?
3 - Onde será aplicada a terapia?
A pergunta chave é? O paciente envolvido no estudo é tão diferente do meu paciente, de forma que não possa aplicar aquela intervenção?

Para estudos negativos P>0,05

O estudo tem tamanho de amostra suficiente para demonstrar diferença clinicamente importante, caso essa tenha ocorrido?
Aprofundar análise, enquanto a erro do tipo II.






quarta-feira, 8 de julho de 2015

IMPROVE- IT - Análise Crítica



Recentemente, no New England Journal of Medicine  foi publicado o aguardado estudo IMPROVE - IT, o primeiro ensaio clínico a testar adequadamente a associação entre ezetimiba e estatina. No que se refere ao mecanismo farmacológico, sabia-se até então que a ezetimiba em adição a um medicamento da classe das estatinas teria a capacidade de potencializar o efeito antilipidêmico da última. Entretanto, a aplicabilidade clínica desta associação esbarrava em um estudo que demonstrasse benefício clínico em desfechos relevantes hard endpoints - ( Mortalidade geral, IAM-não fatal, AVC).  Já comentamos nesse blog a importância da realização de estudos com desfechos clínicos relevantes e não desfechos clínicos substitutos, portanto, até o presente momento não haviam evidências científicas suficientes( nem como evidência indireta) que justificassem o uso das ezetimibas. Na ausência de evidências devemos aplicar o princípio da hipótese nula.

Esse grande trial foi realizado com cerca de 18.000 pacientes estáveis com 10 dias ou menos depois de uma SCA - isto inclui IAM com supra de ST, IAM sem supra de ST e angina instável ) com um LDL menor que 125. Percebam que embora pacientes de alto risco, de um subgrupo específico, a concentração de LDL dos pacientes eram baixas.   Foram elegíveis para o estudo mulheres e homens com 50 anos de idade ou mais.
Os pacientes foram randomizados para receber 10 mg de ezetimiba associado a 40 mg de sinvastatina vs 40 mg de sinvastatina mais placebo em follow-up médio de 6 anos. Os desfechos primários envolveram um combinado de desfechos duros com outros desfechos mais moles - soft endpoints - ( Morte cardiovascular, IAM-não fatal, AVC- não fatal, rehospitalização por angina e revascularização miocárdica). 

O estudo testou as seguintes hipóteses:

Associação de ezetimiba mais estatina reduz eventos cardíacos?
Is even (lower) is even better? - Quanto menor as taxas de LDL-C, melhor? Princípio do More is More.
Verificou também a segurança do ezetimiba. Um medicamento para chegar ao mercado deve ser efetivo, eficaz e seguro.

Quais os resultados demonstrados pelo IMPROVE-IT?

O estudo demonstrou uma redução de risco relativo de 6,4% de eventos cardiovasculares; 13% de IAM não-fatal; 21% avc isquêmico.
Seria necessário tratar 50 pacientes por 7 anos para salvar apenas 1. (NNT)
Foi observado um LDL-médio anual de 53 vs 69 mg/dl no grupo em que houve associação de estatinas mais placebo.
O efeito se replicou em todos os subgrupos, com resultados melhores no grupo de diabéticos - Análise de subgrupo gera apenas hipóteses.

O que podemos inferir?
Primeiro deve-se avaliar a veracidade do estudo. Não podemos aplicar uma terapia proporcionada por um trial se seus resultados não forem confiáveis. Nesse aspecto, os resultados do  IMPROVE-IT são de excelente qualidade. Visto que:
Foi um estudo randomizado, ou seja, o efeito de confusão foi anulado, fazendo com que controle e intervenção tenha as mesmas características( sejam grupos homogêneos) basta ver a tabela 1, com as características da amostra.
O estudo foi duplo-cego, que evita viés de aferição e viés de desempenho. Este estudo, além disso, teve um adequado poder estatístico evitando erro do tipo II ( grande valor amostral, com cálculo adequado da incidência de eventos esperados, ademais a significância estatística foi demonstrada nos grupos testados, demonstrando que os resultados tiveram mínima probabilidade de serem alvos do acaso. Este fato ainda é reforçado pelo fato de que a conclusão foi feita com base em desfechos primários e não em comparações múltiplas (desfechos secundários)
Este trabalho ainda foi desenvolvido com a intenção de tratar - evita viés de tratamento, e não foi um estudo truncado - interrompido precocemente. O truncamento pode superestimar os resultados.

Enquanto a Relevância
O estudo apresentou um NNT de 50 com uma redução de risco relativo de 6% e redução de risco absoluto de 2%. Este NNT é considerado de moderada relevância.

Mas, nesse aspecto temos que nos atentar aos seguintes conceitos:
A análise isolada do risco relativo pode nos dar uma impressão superestimada dos resultados, isto porque o risco relativo é intrínseco ao tratamento, enquanto o risco absoluto varia de acordo com o risco de base do paciente.
Em medicina baseada em evidências o que torna o tratamento eficaz ou não é a sua capacidade em reduzir o risco absoluto dos pacientes daquela amostra estudada.

O princípio da moderação

A maioria das intervenções em cardiologia promove reduções plausíveis e moderadas de mortalidade, ou seja, a verdadeira redução de risco relativo encontra-se entre 10 e 25% e não entre 40 e 60%, esta redução de risco relativo de aspecto moderado provocará reduções de risco absoluto de 2 a 4%.
Numa população de alto risco ex: pacientes portadores de ICC, pacientes portadores de SCA de alto risco, esta redução de risco absoluto é aceitável porque do ponto de vista da saúde pública evitará muitos eventos e mortes. Contudo, percebam que no IMPROVE-IT tivemos uma redução de risco pequena, com um redução risco de absoluto ideal e um NNT de moderado impacto.
O que houve nesse aspecto? O NNT foi insuflado pelo uso de desfechos combinados, já que sabiam que o efeito do tratamento (RR) seria pequeno (LDL médio de 90) e por usarem uma grande amostra de pacientes de alto risco.
A lição que fica é que para riscos relativos pequenos, teremos um impacto pequeno do tratamento.
Isto faz com que o benefício apresentado pelo estudo não seja tão significativo assim.

Magnitude de redução de risco relativo com emprego de intervenções cardiovasculares
Intervenção
Cenário
N° de pacientes
RRR
Aspirina
IAM
18.773
23%
Trombolíticos
IAM
58.000
18%
Estatinas
Prevenção Secundária
20.312
23%
Espironolactona
ICC
1.663
30%





IMPROVE - IT e aplicabilidade clínica

 O estudo foi liberado depois da última diretriz de Dislipidemias da AHA, que recomenda o uso de estatinas mais potentes.
 Quais seriam os resultados se houvesse um comparação com estatinas de maior potência? A sinvastatina de 40 mg tem moderada potência.
Não seria melhor trocar por uma estatina de alta potência, como recomendado pelas últimas diretrizes?
Será que os pacientes com um perfil de colesterol mais elevado, talvez hipercolesterolemia moderada a alta como no WOSCOPS – LDL médio de 190,não se beneficiariam mais, tendo em vista o uso de um desfecho combinado?
Qual seria o custo-efetividade?

Em conclusão:

Verifica-se que o IMPROVE - IT dá ainda mais reforço a hipótese de que o colesterol, (LDL-C) é um importante fator de risco cardiovascular, visto a reversibilidade de dose-resposta nos pacientes tratados com as medicações antilipidêmicas – a reversibilidade de dose-resposta é um importante critério de causalidade, o mais importante deles. Contudo, como evidência direta  seus resultados são de pouca utilidade, visto a magnitude do benefício ser pequena.