domingo, 3 de setembro de 2017

O uso de estatinas em idosos - uma análise Post-hoc do estudo ALLHAT


Continuando a saga de revisar os principais estudos relacionados ao uso das estatinas, hoje falaremos sobre uma análise post-hoc do  estudo ALLHAT-LLT, braço lipídico do clássico estudo com anti-hipertensivos, o ALLHAT study.


Qual foi o racional do estudo?
O estudo baseou-se no fato de que o uso de estatinas em idosos é crescente, evidencias apontam que cerca 28% dos indivíduos com idade entre 75 e 79 anos fazem uso de estatinas, assim como, cerca de 22% dos indivíduos com idade superior a 80 anos. Contudo, as evidências de benefícios nessa população, ainda são contraditórias.
Para tanto, esta análise teve como objetivo avaliar o efeito do uso de pravastatina de 40 mg em indivíduos com idade superior a 65 anos, sem evidência de doença aterosclerótica manifesta que eram portadores de hipertensão arterial sistêmica e hipercolesterolemia moderada.

Qual a metodologia do estudo?
Realizou-se uma subanálise do estudo  ALLHAT-LLT, que incluiu adultos com idade superior a 55 anos com hipertensão estágio 1 e 2 com níveis de LDL entre 120 e 189.
ALLHAT-LLT teve um seguimento de cerca de 6 anos com uma amostra inicial de cerca de 10355 indivíduos, que foram randomizados através de um estudo aberto para receber ou não as doses de pravastatina.
Na análise post-hoc do estudo supracitado, foram excluídos os indivíduos com idade inferior a 65 anos e com evidência de doença cardiovascular, restando apenas 2867 participantes.

Qual o desfecho primário?
O desfecho primário da subanálise envolveu a aferição da mortalidade por todas as causas.
*Nota, convém citar que os desfechos secundários escolhidos envolvem a mortalidade por causas específicas por doenças cardiovasculares e IAM não fatal.
A escolha do desfecho primário como mortalidade total não é bem definida na literatura de MBE, contudo geralmente é justificada quando a intervenção testada pode trazer malefícios, o que nos faz valorizar a mortalidade total como desfecho principal ou como componente de um desfecho combinado que será o primário. 
Porém, o que mais justifica o uso de mortalidade total , seria a grande objetividade deste desfecho. 


Quais os resultados? 

86% dos pacientes com mais de 75 anos no grupo pravastatina estavam tomando anti-hipertensivos, enquanto que 93% dos indivíduos no grupo placebo.
As médias de pressão sistólica nesses grupos foram de respectivamente 150 mmg/Hg no grupo pravastatina e 147, 5 mm/Hg no grupo placebo.
Outro resultado interessante foi que ao final de 6 anos de seguimento no grupo pravastatina 78% dos pacientes estavam tomando a medicação, enquanto que 29% no grupo de cuidados usuais estavam tomando a mesma - efeito esperado, haja vista, que o estudo foi desenvolvido com a intenção de tratar. 
A taxa de cross-over  foi mais acentuada nos indivíduos com idade inferior a 75 , 32% dos indivíduos com idade inferior a 74 anos até 65 anos estavam fazendo uso de pravastatina e faziam parte do grupo de cuidados usuais.

Não houve diferença significativa no que tange a mortalidade por todas as causas no grupo pravastatina.
Para participantes com idade entre 65 e 74 anos, ocorrem 141 mortes no grupo tratamento versus 130 morte no grupo controle ( HR, 1.08, IC 95%, 0,85 - 1,37, P = 0.55) . Houve um aumento não significativo da mortalidade no grupo de idade superior a 75 anos, com 92 mortes no grupo pravastatina versus 65 no grupo controle ( HR, 1.34, IC 95%, 0.98 - 1,84, P= 0.07). 

Quando se fala em análise de subgrupos deve-se testar a interação, de modo que a idade não modificou o efeito do tratamento com pravastatina.

Considerações importantes

Primeiramente, deve-se atentar para o fato de que estudos que envolvem idosos , mais propriamente dito os ECRs, são mais escassos, sendo esta população, subrrepresentada.

Desta forma, essa análise, mesmo que tratando-se de subgrupos, trata-se de uma excelente iniciativa.

Este estudo concluiu que não há diferença na mortalidade geral e por causas cardiovasculares em pacientes idosos com 65 anos ou mais e portadores de hipercolestorelemia moderada e hipertensão, entretanto algumas limitações devem ser pontuadas.

I - Trata-se de uma análise post- hoc. Ou seja, foi uma análise não pré-especificada.
A priori, análises de subgrupo são geradoras de hipótese e não definidoras de conduta.

II - O conceito de timimg hyphotesis - indivíduos que iniciariam o tratamento com estatinas antes provávelmente são diferentes daqueles indivíduos que iniciaram mais tardiamente, o que pode acarretar numa diferença de benefício. E, embora pareça história de "feitiçaria", existem terapias que a depender do tempo que são iniciadas apresentam benefício ou não, como exemplo, temos o caso de trombólise em Avc e Iam, onde tempo é cérebro ou músculo, respectivamente.

III - O estudo foi aberto, entretanto, por utilizar a mortalidade geral, que é o mais objetivo dos desfechos, acredito que o risco de viés de aferição tenha sido atenuado, embora este dado tenha sido menciona como limitação do estudo.

IV - A presença de cross-over. Quase 30% dos indivíduos do grupo de cuidados usuais migrou para o tratamento com estatinas, enquanto que 22 % do grupo tratamento migrou para o grupo de cuidados usuais.
Uma análise deve ser sempre realizada com a intenção de tratar, simulando o efeito da prática clínica. O grupo que foi alocado como placebo, será sempre placebo independente de ter tomando ou não a medicação. O grupo tratamento sempre será tratamento independente de ter tomado ou não medicação. Quando há migração entre os grupos tem-se o efeito cross-over, sempre devemos tolerar um limite para o efeito cruzado, entretanto, quando ele é próximo ou superior a 30%, pode-se ocorrer um viés de tratamento ou viés de carry over , de forma que podem ocorrer efeitos residuais de ambos os tratamentos. Isso prejudica a análise, alterando os resultados dos estudos.

V - Esta análise contraria os resultados de um grande ECR que demonstrou benefício de estatinas na população idosa.