quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Relevância. O cálculo do NNT




Em postagem prévia mencionamos que a crítica quanto a relevância de um artigo científico deve focar no tipo de desfecho e na análise quantitativa quanto a magnitude do benefício que foi comprovado na validade interna.
Esta postagem tem como intuito discorrer sobre impacto do tratamento relativo as medidas de associação, mais precisamente ao NNT ( Número necessário a tratar ou em inglês Number Needed to Treat). 

O NNT é a medida de associação de maior significância clínica, expressa quantos pacientes necessitam ser tratados através daquela intervenção em um dado período de tempo para se prevenir certo desfecho (Ex: Infarto Agudo do Miocárdio). É bem conceituado que quanto menor o NNT, maior o benefício daquela intervenção. Em termos ideais o melhor NNT possível seria = 1, ou seja, que significa que todo paciente tratado se beneficiaria. Um NNT de 37, como no uso de carvedilol para pacientes com ICC, significaria que seria necessário tratar 37 pacientes com carvedilol para prevenir um evento adverso ( morte) em pacientes com ICC no decorrer de 8 semanas.
De maneira indireta, o NNT apresenta muita utilidade para os clínicos porque nos da uma ideia do quanto de esforço seria despendido naquele tratamento para salvar um paciente.
Como o NNT não guarda relação com a RRR ( redução do risco relativo que é dependente do efeito intrínseco do tratamento), e  sim com RAR ( redução absoluta do risco  que depende do risco basal daquela população ) quanto maior o risco basal de uma população menor será o NNT e maior será o efeito quantitativo daquela intervenção. Em populações de baixo risco provavelmente teremos uma redução absoluta de risco e NNT de pouco impacto, o que nos deixa duvidosos sobre o benefício daquele tratamento que em termos de efeito quantitativo é baixo.

Temos aqui então duas regras importantes.

1 - O NNT tem relação intima com a RAR ( Redução absoluta de risco)
2 -  O NNT possui uma relação inversamente proporcional ao risco de base daquela população.

O seu princípio pode ser extrapolado para outros estudos que não necessariamente avaliam uso de medicações. O NNT pode ser calculado em estudos de intervenção com procedimentos invasivos(cirúrgicos), vacinações e rastreamento.
A título de exemplo, quando comparamos o uso de Stent Farmacológico x Stent Convencional para prevenir Reestenose = O NNT do Stent Farmacológico é de 16 em relação ao Stent Convencional, ou seja,  devo tratar 16 pacientes com stents farmacológicos para prevenir uma reestenose.
Outro ponto importante é que o NNT não é relatado nos Ensaios Clínicos, sendo necessário calculá-lo, entretanto, isto é possível apenas para variáveis dicotômicas ( Morte = Sim x Não) -- duas possibilidades de desfecho - o NNT não pode ser calculado quando as variáveis são expressas na forma de médias. Ex: ( Média da Pressão arterial com uso de Captopril )

Analisando a figura do  início da postagem podemos retirar mais algumas informações importantes sobre o conceito de NNT que nos auxiliam no julgamento clínico, pois: "Significância clínica vai além da aritmética".

O conceito de NNT está intimamente relacionado ao conceito de probabilidade, isto porque probabilidade refere-se a incerteza e não temos a certeza de quais pacientes ou qual paciente será beneficiado. Pode-se perceber que a figura nos demonstra um NNT de 10 - o que nos permite pensar que 9 desses 10 pacientes não necessitarão de tratamento ou que esses 9 poderão não responder a terapia. 

 Estatina em Prevenção Primária e o NNT


Nos Woscops, foi obtido uma taxa de eventos para o grupo pravastatina  de 5,5% vs uma taxa de eventos para o grupo placebo de 7,9%, com RRR de 31%  P< 0,001  para um desfecho combinado de Iam com morte por DAC. 
No que se refere ao desfecho IAM , o grupo Pravastatina teve uma taxa de eventos de 4,6%, enquanto o grupo placebo teve uma taxa de eventos de 6,5% com RRR de 31% P < 0,001,
O estudo não apresentou significância estatística para Mortalidade por todas as causas, o desfecho em termos de hierarquia mais importante (P = 0,051), todavia o uso de Pravastatina culminou com uma taxa de eventos de 1,6% vs 2,3% no grupo placebo no que refere-se ao desfecho mortalidade por causas cardiovasculares.

Calculando o RAR para o desfecho mortalidade cardiovascular, teríamos as seguinte equação.
RAexpostos = Incidência de eventos nos expostos (intervenção)
RAnexpostos = Incidência de eventos nos não expostos(controle)
RAR = RAnexpostos - RAexpostos
RAR = 2,3-1,6
RAR = 0,7%

Isto significa que para mortalidade por causas cardiovasculares , o uso de pravastatina em 5 anos promoveu uma Redução Absoluta de Risco de 0,7%

NNT = 1/RAR
NNT = 1/0,7
NNT = 143 Ou seja, deveríamos tratar 143 pacientes para evitar uma morte por causa cardiovascular durante 5 anos.
No início da postagem afirmamos que quanto maior NNT menor o impacto da terapia. Para mortalidade, um NNT maior do que 100 representa um pequeno benefício, ao passo que um NNT entre 50-100 um benefício moderado, 25-50 grande e menor que 25 um benefício muito grande.
Para eventos não fatais um NNT maior 100 representaria um benefício muito pequeno, entre 50-100 pequeno, 25-50 moderado e menor que 25 um grande benefício. 

Nesse aspecto, reside a grande crítica ao uso de Estatinas para prevenção primária, NNT muito grande para mortalidade cardiovascular,  o que gera uma certa dúvida sobre a sua eficácia em pacientes sem eventos cardiovasculares estabelecidos. Será que estes não se beneficiariam  de condutas centradas nas mudanças de estilo de vida?
Fica a critério do médico decidir qual desfecho será utilizada para indicar a medicação  durante a conduta clínica, desde que o desfecho analisado seja dicotômico. Percebe-se que o NNT além de uma estimativa numérica, nos fornece um valor filosófico de até onde podem ir nossos esforços.