sábado, 5 de agosto de 2017

O clássico - Jupiter study


Aproveitando o momento da publicação da nova diretriz brasileira de dislipidemias, continuaremos a série clássica de estudos em dislipidemias, tecendo comentários nessa postagem a respeito do clássico Jupiter study.

Este ensaio clínico foi o primeiro a testar o efeito da terapia anti-lipídica em indivíduos sem doença cardiovascular manifesta, com níveis de LDL normais , mas com elevação das taxas de Pcr ultrassensível.

A partir da interpretação dos resultados deste mesmo estudo, metas-alvo para taxas de colesterol passaram a ser buscadas - objetivando reduções mais agressivas, a depender do risco basal do indivíduo.

Equivocadamente, já que o estudo não foi desenhado para isto, "constatou-se" uma incidência maior de DM tipo II no grupo exposto ao uso de rosuvastatina. 

Qual foi o racional do estudo? 

Estudo baseou-se no fato de que análises prévias haviam demonstrado que o uso de estatinas em indivíduos com angina estável, síndrome coronárias agudas, poderiam reduzir taxas de Pcr ultrassensível - um marcador laboratorial - capaz de agravar o risco cardiovascular.

Contudo, até o desenvolvimento deste ensaio clínico não haviam evidências prospectivas de grande impacto, para tanto, o estudo foi desenvolvido para testar o benefício do uso de estatinas de alta intensidade ( rosuvastatina 20 mg ) em indivíduos com níveis de LDL normais , mas com elevação das taxas de Pcr ultrassensível na redução de desfechos cardiovasculares maiores.


Qual a metodologia ?

Ensaio clinico multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo.
Foram randomizados cerca de 17 802 indivíduos, homens com cerca de 50 anos ou mais, e mulher com cerca de 60 anos ou mais, que possuíam LDL basal igual ou menor que 130 e uma taxa de Pcr ultrassensível maior ou igual a 2.0 mg/dl.
Nota-se também que embora pouco informado o nível de triglicérides dos indivíduos deveria se situar em taxa igual ou inferior a 500.
Além disto, como já mencionado, estes indivíduos, não deveriam ter doença cardiovascular aterosclerótica manifesta.

Qual o desfecho primário?

Combinado de Iam não fatal, avc não fatal,  hospitalização por angina instável, revascularização e morte por doença cardiovascular.

Quais os resultados? 

Alguns dados descritivos de importância...
Aspirina foi usada em cerca de 16 % dos pacientes, aproximadamente 42 % dos pacientes tinham síndrome metabólica.
A média das taxas de LDL foram de 108, HDL 49, enquanto que respectivamente nos grupos tratamento e placebo a média das taxas de Pcr ultrassensível foram 4.2 e 4.3.

Ao final de 12 meses de seguimento observou-se que no grupo rosuvastatina as taxas de LDL atingiram valores de cerca de 55 mg/dl, enquanto que os níveis de Pcr que caíram para médias de 2.2 mg/dl.
Houve , de fato, uma redução de cerca de 50 % da média dos níveis de LDL e 37% das médias das taxas de Pcr no grupo tratamento em comparação ao placebo.

Quanto ao desfecho primário?

No grupo rosuvastatina foram observados cerca de 142 desfechos cardiovasculares maiores, enquanto que no grupo placebo 251. Houve uma redução de risco relativo no grupo estatina de 44%.
No que se refere aos desfechos combinados, observou-se redução às custas das taxas de Iam não fatal, avc não fatal e procedimentos de revascularização arterial.

Quanto ao impacto do tratamento, necessitou-se tratar cerca de 25 indivíduos para salvar um, dentro do intervalo de 5 anos.

Quanto aos efeitos adversos? 

Não houve diferença significativa nas taxas de miopatia, câncer, alterações gastrointestinais , hematológicas ou renais entre os grupos.

Notou-se aumento nas taxas de Hb1ac no grupo rosuvastatina - um mínima diferença, entretanto, observou-se o relato do aumento dos níveis de DM nos indivíduos em uso da mesma, desfecho que não foi projetado pelo estudo.

Considerações importantes

Provavelmente o benefício encontrado no Jupiter foi verdadeiro, entretanto, deve-se lembrar que o mesmo estudo foi truncado.
O estudo foi interrompido precocemente , dos cerca de 18.000 pacientes, cerca de 300 foram seguidos em cinco anos.
Sabe-se que estudos truncados, a não ser que interrompidos com no minimo 500 desfechos tendem a superestimar o benefício das intervenções, portanto, embora benéfica, a magnitude do desfecho foi menos impactante do que realmente divulgada.

Quanto a presença de diabetes é importante mencionar, que a maior incidência no grupo rosuvastatina deveu-se possivelmente pelo acaso.
Pois, o desfecho não foi pré-especificado. Além de ter não ter sido pré-especificado, não foi desfecho primário, o que pode ter ocorrido pelo problemas das múltiplas comparações. 
Outro ponto importante a mencionar é que a incidência de diabetes no grupo tratamento foi mencionada a partir da observação dos médicos, tornando essa aferição mais susceptível a viéses. Ademais, como presente na seguinte frase: " Nevertheless, physician-reported diabetes was more frequent in the rosuvastatin group (270 reports of diabetes, vs. 216 in the placebo group; P=0.01); these events were not adjudicated by the end-point committee"  ,  o desfecho não foi adjudicado, ou seja, revisado por uma auditoria.