terça-feira, 24 de novembro de 2015

SPRINT TRIAL e HAS , um novo paradigma?




A hipertensão arterial sistêmica, sem dúvida nenhuma é um dos mais prevalentes e importantes fatores de risco para a ocorrência de doenças cardiovasculares, em especial, o acidente vascular cerebral e as doenças isquêmicas do coração. Segundo dados mais recentes, cerca de um bilhão de pessoas no mundo inteiro são hipertensas. Talvez, não exista nenhuma relação na medicina tão matemática quanto o aumento dos níveis pressóricos e sua associação com o aumento do risco de eventos cardiovasculares. Meta-análise de 61 estudos observacionais realizada por Lewington S e seus colaboradores tem demonstrado um aumento do risco de eventos cardiovasculares para um incremento nos níveis pressóricos acima de 115/75 mm/Hg,  o que justificaria a pergunta do mais recente estudo publicado no New England Journal of Medicine , no que se refere as metas pressóricas a serem alcançadas em indivíduos de alto risco cardiovascular sem DM ou AVC prévio, com o objetivo de diminuir nesse grupo, a incidência de desfechos duros - o SPRINT - TRIAL.

 O SPRINT - TRIAL  foi concebido  de acordo com o paradigma do "More is More", ou seja, a partir da seguinte questão: Será que vale a pena tratar mais agressivamente  pacientes de alto risco sem DM e AVC prévio, tendo como alvo uma pressão sistólica inferior a 120 mm/hg?
O estudo foi positivo e sugeriu que em indivíduos de alto risco cardiovascular com idade superior a 50 anos, sem DM e AVC prévio haveria benefício em tratá-los mais intensivamente, buscando metas pressóricas de até 120/80.

Revisando o estudo temos que seguir a seguinte análise. Validade interna - Relevância -  Aplicabilidade.



Alguns detalhes devem ser mencionados:

O estudo teve um poder estatístico adequado, superior a 80%, evitando erro do tipo II,  o valor amostral englobou cerca de 9361 pacientes, num follow-up total de 3,26 anos.
Os critérios de inclusão incluíram: pacientes acima de 50 anos, com PAS entre 130 e 180, sendo estes de alto risco cardiovascular,
Os pacientes considerados de alto risco foram: Framingham maior que 15% ou idade superior a 75 anos.
Doença cardiovascular manifesta - (equivalente aterosclerótico), com exceção do AVC ou achados subclínicos de DCV.
Taxa de filtração glomerular entre 20 e 60 pela fórmula MDRD, excluindo-se pacientes com rins polícisticos.

Validade Interna


Quanto a validade interna temos que um estudo pode ser positivo ou negativo a depender de viéses e erros aleatórios.


Quanto aos viéses este foi um estudo randomizado, controlado, (o que evita viés de seleção e confusão). Feito  com a intenção de tratar ( o que evita viés de tratamento ) e pequena perda de follow-up.
Contudo, este foi um estudo aberto, sujeito a viéses de aferição, entretanto como os desfechos primários foram duros, me parece que isso não tenha ocorrido.
Nesse aspecto, em análise sistematizada este é um estudo com baixo risco de viéses.

Quanto a possibilidade de que os resultados tenham sido decorrentes do acaso: O estudo demonstrou ser projetado com um adequado poder estatístico para captar a diferença na incidências dos desfechos que fora planejada, ademais, ele anula outras possibilidades de erro aleatório ao fazer a conclusão do estudo com base em desfechos primários duros, evitando o problema das comparações múltiplas.

Mas, há uma questão: ESTE ESTUDO FOI TRUNCADO. A interrupção precoce pode superestimar a redução do risco relativo destes ensaios clínicos em comparação com os pares não truncados em até 39%, entretanto, quando o estudo é truncado com mais de 500 desfechos, o truncamento não implica em superestimativa do efeito da intervenção.Quando o estudo foi interrompido, já haviam ocorrido 562 desfechos, 243 no grupo tratamento (1,65 % ao ano) e 319 (2,19% ao ano) no grupo padrão.

Portanto, podemos concluir que o SPRINT - TRIAL, tem validade interna, com baixo risco de viéses e erros aleatórios. Seus resultados são válidos.

Relevância 


Devemos verificar a magnitude do ponto de vista quantitativo do tratamento intensivo e o tipo de desfecho.


O desfecho primário foi um combinado IAM, Angina Instável, ICC descompensada ou morte por causa cardiovascular.
O desfecho secundário foi composto por todos estes desfechos supracitados, mais mortalidade geral.
Todos estes desfechos são relevantes e foram definidos adequadamente.

Os resultados demonstraram os seguintes NNTs:  61 para o desfecho primário, em que o IAM foi o desfecho que mais contribuiu para estes resultados. Foram 243(5,2%) desfechos no grupo tratamento intensivo, sendo que 97 (2,1%) destes casos foram resultantes de IAM-não fatal.
NNT de 90 para mortalidade por qualquer causa - um desfecho secundário.
NNT  de 172 para mortalidade por causas cardiovasculares, isoladamente outro desfecho secundário.

Analisando, a conclusão, percebemos que a incidência de eventos adversos aumentou no grupo tratamento intensivo, o que pode ser calculado na forma de NNH, isto é importante porque vai influenciar na aplicabilidade do estudo.

Síncope NNH de 91; Hipotensão NNH de 72; IRA com necessidade de diálise NNH de 56 e Distúrbios eletrolíticos NNH de 100.

Quanto a magnitude do benefício, temos que seria necessário tratar 61 pacientes para salvar 1, no que se refere ao desfecho primário. Um NNT de pequena magnitude para eventos não-fatais, conquanto ainda é superior aos riscos.

Aplicabilidade

Acho que para este estudo, o raciocínio da aplicabilidade envolve a seguinte questão:
I - Em quem a terapia será aplicada?

Analisando as características dos pacientes alocados para o estudo, pode-se perceber que cerca de 30% tinham idade superior a 75 anos ( o que considero uma das virtudes desta pesquisa, haja vista, que a partir dessa idade as evidências vão ficando mais indiretas, pois essa faixa-etária é mais sub-representada nos estudos clínicos), 30% eram negros, 36% eram mulheres, 28% tinham doença renal crônica, 20% tinham doença cardiovascular conhecida. A partir dos critérios adotados no estudo, estes pacientes foram considerados de alto risco cardiovascular. 
Portanto, é nesse tipo de paciente, que o tratamento agressivo ( meta abaixo de 120) poderá ser aplicado como evidência direta. 

Em postagem prévia mencionamos que um dos grandes objetivos de realizarmos um ensaio clínico é de extrapolarmos seus resultados para populações diferentes daquela testada na amostra do estudo, o que chamamos de Princípio da Complacência. Para isso, diante de um paciente diferente daquele testado no estudo deve-se fazer a seguinte pergunta: "Este paciente é tão diferente daqueles do estudo, de forma que os resultados não se apliquem a ele, ou de maneira que os benefícios se perderão ?"

Geralmente, para testar um conceito os grandes ensaios clínicos, selecionam amostras de alto risco, onde é mais fácil demonstrar um benefício estatístico, o que aconteceu no SPRINT - TRIAL. Se nessas populações de alto risco , o benefício não ocorrer, é muito provável que também não ocorra numa população de baixo risco.
Por isso, durante o raciocínio clínico ao aplicarmos o princípio da complacência devemos ter em mente que ao extrapolarmos os resultados para populações de baixo risco, os benefícios tendem a ser menores.
Julgo que nesse tipo de paciente - um paciente de baixo risco cardiovascular e com algumas outras nuances, como ausência de outros fatores de risco, o benefício irá se diluir demais e a aplicabilidade desse tipo de tratamento não parece adequada.

 Paciente idoso e a história da Polifarmácia

Sabe-se que pacientes idosos, pelo número maior de comorbidades que apresentam, tendem a usar medicações em número mais excessivo em comparação aos seus pares mais jovens.
Hubbard RE. Polypharmacy among inpatients age 70 years or onlder in Australia. MJA 202(7).20 april 2015. DOI: 10.5694/mja 13.00172, demonstra que a cada comorbidade que o idoso apresenta, o risco de enquadrar-se na categoria de polifármaco aumenta em 27%.
Por outro lado, nesse sistema muito mais sensível que é o dos idosos, o risco de interações e de eventos adversos pode ser maior. O estudo mostrou um maior risco de hipotensão, síncopes e queda da taxa filtração glomerular superior em até 30%  no grupo de tratamento mais intensivo.
E, nesse sentido, evidenciamos, que o controle intensivo se deu à custa da adição de mais medicação, a média no grupo tratamento intensivo foi de 2,8 fármacos, o que aumenta a probabilidade de mais eventos adversos. Portanto, há de se tomar cuidado e individualizar a conduta.

Aderência ao tratamento e uso de mais medicamentos

Em estudo já um pouco antigo,  mas de grande utilidade, sobre as causas de baixa adesão ao tratamento para HAS, Mion JR D e Pierin AMG, apontam que 67% dos indivíduos referiram baixa adesão por terem de tomar várias medicações ao dia. Não é novidade que o número de medicamentos pode reduzir  a adesão ao tratamento . Nesse premissa, será que  no paciente com baixa adesão ,este tratamento seria uma alternativa?  Talvez não.

Por fim, acredito que o SPRINT - TRIAL nos oferece uma evidência de qualidade a favor de um tratamento mais intenso nesse perfil de pacientes (Sem DM  e AVC prévio).
Para pacientes diabéticos o princípio do "Less is More" ainda deve prevalecer, como demonstrado pelo ACCORD.
Mas o grande aspecto a ponderar na minha análise é que este novo trial nos oferece a lição da necessidade cada vez maior de individualizarmos nossas condutas de acordo com o conceito que é demonstrado nos ensaios clínicos.
E por que individualizar? Muitos pacientes elegíveis para uma conduta mais agressiva poderão passar a um controle menos intenso, dependendo de sua tolerabilidade ao incremento de novas medicações para atingir a meta proposta e nesse aspecto privaríamos nosso paciente de menos riscos e dos benefícios possíveis com o tratamento anti-hipertensivo.