domingo, 3 de dezembro de 2017

O estudo PROSPER a recomendação da US prevention Task Force e o uso de estatinas em idosos.










Embora, o uso de estatinas esteja consolidado como agente capaz de reduzir a mortalidade geral e por causas cardiovasculares para prevenção secundária, ainda existem muitas controvérsias com referência ao uso de estatinas em determinados subgrupos, principalmente  no que tange à prevenção primária de eventos cardiovasculares e mortalidade.
Dentro destes subgrupos, pode-se destacar o uso da medicação em idosos.  Muitos médicos ainda hesitam em realizar a prescrição destas medicações nestes pacientes, por dúvidas principalmente quanto à segurança e eficácia-efetividade. Como mencionado inúmeras vezes, sabe-se que idosos são frequentemente pouco representados em ensaios clínicos, são mais vulneráveis a efeitos adversos do uso de medicações e muito mais suscetíveis à polifarmácia , o que proporciona um risco maior de interações medicamentosas.

De forma divergente, sabe-se que são uma população muito mais suscetível a eventos cardiovasculares maiores, provavelmente devido a um fator de risco não modificável , chamado idade.
Para confirmar este dado acima  ao utilizarmos o estimador de risco cardiovascular da AHA , numa situação hipotética, verificaríamos que num indivíduo de 79 anos, sem Has com Pressão arterial de 130/80,  colesterol total de 240 e hdl-c de 50, teríamos um rico cardiovascular elevado de 32.8% em 10 anos.
Estaríamos então inclinados a prescrever estatinas nesta população e esbarraríamos na recomendação da US prevention task force que contra-indica o uso de estatinas nesta  faixa-etária, devido a ausência de evidências, principalmente para o ponto de corte de idade de 75 anos.

Chegamos então ao objetivo desse post , que é questionar  se isso é realmente um fato, ou se é uma  recomendação reducionista , engessando princípios da medicina baseada em evidências.

Quanto a primeira questão  - é realmente um fato que idosos são subrrepresentados nestes estudos, entretanto, não é um fato dizer que o uso de estatinas nessa população deva ser evitado por carência de evidências, como se todas as nossas evidências fossem diretas.
Ademais, ainda a respeito disso, o uso de estatinas nessa população tem sido uma crescente. Evidências apontam que cerca  de 28% dos indivíduos com idade entre 75 e 79 anos fazem uso de estatinas, assim como, 22 % dos indivíduos acima de 80 anos.
Sobre isso, logo a seguir discutiremos o estudo PROSPER , uma das nossas melhores evidências para esta indicação, que randomizou idosos com idade entre 70 a 82 anos para uso de pravastatina tanto em prevenção primária como secundária.

Voltando à questão, quanto a recomendação reducionista , quando praticamos MBE, não podemos nos esquecer do principio da complacência. 
Este princípio determina que podemos extrapolar condutas testadas em indivíduos que são pouco diferentes daqueles que foram avaliados nos ensaios clínicos.
Lembremos que durante a nossa prática clínica, em muitas vezes , o paciente não será exatamente igual a aquele do estudo, para tanto, devemos nos questionar através da máxima: " Esse paciente é tão diferente daquele do estudo que  há alguma razão para o benefício se perder?"
Portanto, um indivíduo de 75 anos é tão diferente assim de um indivíduo de 76, 77, 78, 79 , 80 anos?

Além disso, quanto a essa questão, temos o princípio da prova do conceito. Idosos fazem parte de grupos de alto risco para eventos cardiovasculares, portanto como a redução do risco relativo é intrínseca ao tratamento , para uma mesma RRR, teríamos uma maior redução absoluta do risco e menor NNT.

Acho  que estes princípios tornam a indicação de estatinas nesse grupo, no mínimo razoável. 

E quanto as evidências diretas nesse grupo? 
Podemos então analisar o Estudo PROSPER -


1 - Qual foi o objetivo do estudo?
Testar o benefício do uso de estatinas na redução de eventos cardiovasculares em indivíduos com idade entre 70 e 82 anos com fatores de risco ou história de doença cardiovascular manifesta.

2 - Qual a metodologia do estudo? 
Estudo randomizado duplo-cego de 5804 indivíduos para o grupo pravastatina 40 mg x Placebo, com a intenção de tratar e um follow-up de 3, 5 anos.
O desfecho primário foi um combinado de vários desfechos - morte por doença coronariana, iam não fatal, avc não fatal.
O estudo não foi desenhado para detectar redução de mortalidade por todas as causas, lembrando que do ponto de vista estatístico, necessitária de um poder de 92 % para detectar uma redução de risco relativo de 20% no desfecho primário.

3 - Quais foram os resultados ? 
O uso de pravastatina reduziu as concentrações de LDL em 34% e reduziu a incidência do desfecho primário em 15% - ( hazard ratio 0.85%, IC 95 % 0 .74 - 0.97 p = 0.014).
A redução do desfecho combinado ocorreu às custas de Iam não fatal e morte por doença coronariana.
A incidência de avc não fatal em ambos os grupos continuou não afetada.
Isoladamente a mortalidade por doença coronariana decaiu 24 %. 

4 - Qual a conclusão do estudo?
O estudo concluiu que o uso de pravastatina nesta faixa-etária teve capacidade de reduzir o risco de eventos coronarianos, indicando possivelmente  a indicação do uso para indivíduos idosos.

Análise crítica - 

Do ponto de vista metodológico o estudo acima tem baixo risco de viéses. Randomizado  evitando viéses de confusão, duplo cego com desfechos duros bem definidos minimizando viéses de aferição e feito com intenção de tratar evitando viéses de tratamento.



Sobre a relevância dos resultados , vale a pena  anexar os gráficos aqui para melhor visualização. 


Nesse caso, acho que vale uma menção ao poder do estudo  - o mesmo foi projetado para ter um poder de 92%, objetivando uma redução de 20% na incidência do desfecho primário - um combinado de Iam não fatal , avc não fatal e morte por doença coronariana, contudo alcançou uma redução do risco relativo de 15%, ou seja, menor do que o esperado.  Acredito que este resultado deveu-se a incapacidade do estudo de ter detectado redução nas taxas de avc com o uso de pravastatina, um dos componentes do desfecho combinado.
O predito para o grupo placebo foi de 8 %, alcançado no estudo metade do predito. 
Este estudo sugere que o tempo de follow-up para avaliar o benefício das estatinas na prevenção de avc deve ser maior do que o tempo de seguimento adotado pelo estudo mencionado, parece que a redução na incidência de eventos coronarianos ocorre de maneira mais precoce com uso de estatinas.
Outro ponto a ser mencionado é o baixo poder estatístico do próprio estudo para detectar essa alteração - os próprios autores mencionam que a redução 20 % era na verdade de 40%.




O uso de pravastatina reduziu a incidência do desfecho primário em 15% - ( hazard ratio 0.85%, IC 95 % 0 .74 - 0.97 p = 0.014).

Quanto analisamos a relevância de um desfecho deve-se prestar atenção na magnitude do mesmo.
Para uma redução de risco relativo de 15 %, teríamos uma redução de risco absoluto de 2 %. O RAR é calculado através da diferença entre a Incidência de eventos nos não expostos e expostos ( RAR = Ine - Ie). Para esta redução absoluta do risco teríamos um NNT de 50. Lembrando que o NNT é calculado através da seguinte fórmula: NNT = (1/RAR x 100). 
Nesse caso, teríamos de tratar 50 indivíduos para reduzir 1 combinado de morte por Dac , avc ou iam não fatal. um desfecho considerado de boa magnitude.


Outro resultado interessante envolveu a redução isolada de morte por doença coronariana - um desfecho hierarquicamente superior à redução de iam não fatal ou , por exemplo , avc não fatal.
No estudo pode-se observar uma redução do risco relativo de 24% - ( hazard ratio 0.76, IC 95 % 0.58 - 0.99  p =0.043).



Neste caso, obtivemos com o tratamento uma RAR de 0.9%. Para esta redução absoluta do risco teríamos um NNT de 111.
Teríamos de tratar 111 idosos para salvar 1 de uma morte por DAC. Um efeito próximo de moderado-pequeno para eventos fatais.

O estudo também tomou os devidos cuidados de fazer a avaliação da redução de eventos cardiovasculares de acordo com a prevenção primária ou secundária. Em ambos os casos o efeito se replicou  para o desfecho primário composto. Lembrando, que esta foi uma análise post-hoc, devendo ser interpretada  de acordo com as suas limitações.




Conclusão
Com base no estudo PROSPER , princípio da prova do conceito e da complacência, acho que a indicação de estatinas em muito idosos, desde que a evidência não fique muito indireta , é no minimo razoável. O uso das estatinas não foge à regra das demais terapias de comprovado benefício, normalmente temos de tratar muitos indivíduos para salvar 1 e não sabemos quem de fato irá se beneficiar. Além disso, de acordo com as últimas evidências parece que quanto menor o LDL melhor, portanto, se seu avó ou seu paciente octagenário tem um LDL próximo de 140 ( como no estudo acima), vale a pena conversar sobre o uso de estatinas.